quarta-feira, 29 de outubro de 2008

É bom ouvir o Changuito dizer poesia

da Alegria de Gostar, por exemplo, do Jairo Aníbal Niño.
54 poemas como estes, guardados nos ouvidos e na Boca:

Quando cheguei da escola
tirei os sapatos,
deixei no chão a mochila onde trago livros e utilidades,
sentei-me no velho sofá de que gosto tanto,
chamei o meu gato para lhe dar mimo,
não quis almoçar nem falar com ninguém,
e fiquei a olhar para o retrato do Zico
que tenho colado à parede.
Do lado de fora da janela
passou uma cor tão rápida
que só consegui ver um nadinha de pássaro ou borboleta.
Saquei do bolso da camisa uma folha de caderno
onde ela tinha escrito o seu nome.
É trigueira, de tranças, chama-se Alejandra, ri-se lindamente,
e tem nove anos como eu.
Estuda no terceiro A,
e ao lembrar-me dela
senti uma ventaniazinha por dentro
como se me tivesse começado a doer
o estômago do coração.

- Fazes-me um favor?
- Que tipo de favor?
- Guardas os meus aviõezinhos durante todo o recreio?
- Durante todo o recreio?
- Sim, que tu és o meu céu.


Chegou à aula num 15 de Maio
- dia de chuva -
chegou e olhou-nos a todos docemente.
Sou a nova professora de filosofia, disse-nos.
Sorriu
e foi como se as gotas de chuva
que sobreviviam sobre o seu impermeável amarelo
se tivessem convertido em pensamentos.
A todos nos pareceu que era muito jovem para ser professora
- e demasiado para ser professora de filosofia.
Comecei a pensar nela todas as tardes
no momento exacto em que na rádio
acabava um programa de desporto
e começava outro de canções.
Surpreendentemente ela esteve presente
na final intercolegial de futebol.
Nessa ocasião estive inspirado no meio-campo
e fiz um dos golos que nos deram o triunfo.
Ela entregou-nos a taça de campeões.
Jamais esquecerei a minha professora de filosofia.
No dia do exame final,
ao apresentar-lhe o meu trabalho,
disse-me que me parecia com Sócrates.
Enchi-me de orgulho
e creio que os meus olhos se encheram de lágrimas.
Caminhei até à minha mesa
como se fosse pelo ar, como uma pombinha.
Era o melhor elogio que tinha recebido na minha vida.
Eu, parecido com o Sócrates,
o grande jogador de futebol do Corinthians.
Sócrates B. S. de Souza Vieira de Oliveira,
O inesquecível centro-campista da selecção do Brasil.

2 comentários:

Rita disse...

É esta que o Jaime mais gosta :)

oriana a. disse...

É um miúdo mesmo esperto, o Jaime. E tem a quem sair!