quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Excitar a cidade

Há umas poucas de horas vários grupos e associações apostados em melhorar a vida das colectividades em que se inserem apresentaram uns aos outros as respectivas experiências no terreno. O encontro foi promovido pelo Centro Social da Mouraria no âmbito dos chamados "The C Days - Encontros sobre a nova comunidade", sob o tema "Como activar uma comunidade?".
Veio gente do Banco do Tempo do Lumiar e do Banco de Voluntariado da Câmara Municipal da Amadora, do Trocal de Lisboa e do projecto "Contacto Cultural", do Centro Mário Dionísio e da Associação Renovar a Mouraria, à qual tenho o prazer de pertencer. Aqui e ali, lá foram surgindo esses conceitos avulsos que agora se usa a torto e a direito, importados do marketing e da economia, mas sem substância política ou filosófica.
Foi a escritora Eduarda Dionísio, fundadora da Abril em Maio (associação cultural que entre 1994 e 2004 tertuliou, debateu, editou, procurando estimular a participação das pessoas na produção cultural), quem finalmente pôs os pontos nos is. Mas com tal veemência, que o chão entre os nossos pés parecia estalar e já se abria o precipício que deixaria de um lado "os críticos da sociedade" e do outro "os que se adaptam a ela" (qual entidade separada de nós). Mas para os abismos das grandes dicotomias não me empurrem que eu não caio, nem ninguém caiu, no final.
Resumindo, acho que o C Day até correu bem, apesar de não gostar do nome. Foi bom ver questionado certo palavreado mercantiloide e paternalista, mas também acho que as pessoas às vezes falam pior do que fazem - não justifica, mas é melhor do que o contrário. E ali se viu como estamos, pouco a pouco, grupo a grupo, mais activos, de diferentes formas e em mais lugares, já não na harmonia do pequeno grupo culto que fala a mesma língua, mas na dissonância, na complementaridade, pelas mãos do mais variado people.
Afinal não temos de escolher entre a rata de sacristia e o viciado em gás lacrimogéneo. Podemos trabalhar com o "Banco de Tempo", que com o seu caricato sistema cambial converte o reformado deprimido em voluntário no ATL de crianças, e com a antropóloga que anda com os miúdos da Mouraria a desenhar o mapa da cidade tal como eles a vêem, para saber como vivem, o que lhes falta, que estão zangados com a escola e sonham trabalhar na caixa registadora do Pingo Doce.
Se isto é activar a comunidade, gritar aos ouvidos da sociedade, fazer cócegas ao colectivo ou excitar a cidade (nos seus pontos heterogéneos), dá que pensar mas não dá para parar.

Sem comentários: